sábado, 15 de janeiro de 2011

Blindfolded

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Cupido vendado, detalhe da Primavera, de Sandro Botticelli. c.1482.
Têmpera sobre madeira; 203x314cm. Florença, Galleria degli Uffizi




A discussão sobre a cegueira de Amor é complexa e longa, longa, longa... A imagem remonta à literatura da antiguidade clássica, ganha corpo nas artes visuais na Idade Média e segue pelo Renascimento... Não vou me ater a essa discussão (quem quiser saber  mais, pode ler "Cupido, o cego", nos Estudos de iconologia, de E. Panofsky). O fato é que o Amor, na maior parte das vezes -  referendando de certa forma a ideia platônica de que o mais nobre dos sentimentos só pode nascer a partir do mais nobre dos sentidos, a visão - está apenas vendado, impossibilitado de ver com os olhos físicos, mas continuando a enxergar com os olhos da mente. Se se engana, é só porque é uma criança que não sabe escolher...

(Belas saídas! Gosto delas.)


Pois esta semana, quando todo o país vem se comovendo com a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, assisti, também comovida, a muitas cenas em que o amor se afasta completamente de qualquer possibilidade de cegueira. Numa delas, uma senhora se recusava a deixar a casa condenada (de onde todos já tinham debandado) porque isso significaria ter de abandonar ali o companheiro de uma vida inteira, imobilizado na cama por um AVC, cheio de sequelas. E ela contou isso ao repórter enquanto colocava a cabeça paralisada do marido no colo e carinhosamente lhe afagava os cabelos que caíam pelo rosto desfigurado.


E me lembrei de um soneto em que o velho Camões desloca a cegueira relativa ao amor:


Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce, é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido (...)
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