segunda-feira, 26 de março de 2012

Héstia

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To whom I owe  the leaping delight 
that quickens my senses in our waking time
and the rhythm that governs the repose of our sleepingtime...
(T. S. Eliot)






Certa vez, muitíssimos anos atrás, a noite nos apanhou, a mim e a meu ex-marido, namorando a casa que estávamos construindo. De projeto ambicioso, nunca ficava pronta, nunca parava de exigir dinheiro. Anos construindo, ansiando dia após dia, mês após mês, por ver o resultado acabado. Naquele finzinho de tarde, me lembro bem da emoção que senti quando vi, pela primeira vez, a luz acesa lá dentro. Pensei comigo: agora essa casa tem  alma, agora tem vida, agora é uma casa, não mais uma obra. 
E disso os antigos sabiam: é o fogo - luz e calor - que dá vida à casa. Os gregos criaram Héstia, a deusa filha de Cronos, da primeiríssima geração olímpica: é a personificação da chama sagrada que protege, enquanto aquece e ilumina, os lares; a chama em torno da qual a família se reúne e se aconchega. As residências gregas possuíam um altar onde noite e dia uma chama era cuidada, mantida viva. A palavra 'lar', aliás, vem de 'lareira', denotando a mesma ideia trazida por Héstia.

Nada conforta mais o homem do que a simples vista de sua casa iluminada quando a noite avança. É nesse instante que a casa, o edifício inanimado, se transforma em lar. 
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sábado, 24 de março de 2012

naveave

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Vista da Mantiqueira em Gonçalves (MG). Março de 2012



Nave
Ave
Moinho
E tudo mais serei
Para que seja leve
Meu passo
Em vosso
Caminho.


(Hilda Hilst, Trovas de muito amor para 
um amado senhor I, in Exercícios)

também aqui
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quarta-feira, 21 de março de 2012

Sertã ao lume brando

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Antoine Vollon. Natureza-morta com frigideira, jarra, garrafa e ovos sobre uma mesa
s/d. coleção privada


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Sempre me impressiona e encanta a amplidão da língua portuguesa, as sutilezas nas variações de construção e de vocabulário que separam, como o próprio Atlântico, a nossa língua portuguesa daquela sua matriz lá do outro lado do oceano.
Hoje, pesquisando para uma tradução uma receita medieval de ovos fritos à judaica, fui parar numa página da net em que um de nossos irmãos de língua ensinava a fazer ovos estrelados, digamos,"à poesia":

Ingrediente: 4 ovos; 30 g de manteiga; sal q.b.
Preparação: Deita-se a manteiga na sertã [ou seja, na frigideira: a palavra não consta do Houaiss] ou prato próprio e leva-se ao lume brando. Quando começar a aloirar, deitam-se-lhe os ovos previamente partidos para um pires. Devem ficar com a gema inteira. Quando a clara estiver coalhada, está pronto. De vez em quando, durante a fritura deve dar-se à sertã um ligeiro movimento para os ovos não pegarem no fundo.
Observações: Habitualmente os ovos estrelam-se com bons resultados em azeite fino.


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quarta-feira, 14 de março de 2012

Reinvenção



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AROS, iniciei um novo blog há uma semana, onde posto apenas as minhas brincadeiras fotográficas: imagens que reinvento a partir de fotografias, e quase nada de palavras. A fotografia ali é o meio expressivo de base, mas é transformada, afastando-se da sua linguagem comum. Espero que gostem desses que eu chamei de meus "poemas mudos": 


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segunda-feira, 5 de março de 2012

sábado, 3 de março de 2012

Serve.

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Para a Belinha, que hoje completa 17 anos 
e que sabe muito bem onde se encontra a poesia...


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As coisas que não levam a nada
têm grande importância


cada coisa ordinária é um elemento de estima
Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral


O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
caco de vidro, garampos,
retratos de formatura,
servem demais para a poesia


As coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia


Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para a poesia
(...)




Manoel de Barros, 
"Matéria de poesia", in Poesia completa.







[aqui também]