quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

varietas delectat

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("A variedade deleita...")




Esta sou eu aos dezoito anos desenhando pedrinhas numa aula de plástica. 
O exercício consistia  em sair pelo campus selecionando e recolhendo objetos ou elementos naturais e depois reorganizá-los para criar uma composição em desenho. Foi ali, naquelas aulas de observação do mundo que eu descobri outras dimensões da mesma realidade, aprendi a procurar a beleza em lugares insuspeitados, aprendi a ver. Assim, no interminável caminho de ônibus até a universidade, eu me ocupava procurando beleza nos ângulos retos de uma construção qualquer - vazios e plenos em sua insípida variedade de cinzas, jogos de luz e sombra, ritmos... Às vezes, chegava em casa com a mochila carregada de pedras variadas, as páginas dos cadernos guardando uma ou outra folha de árvore de forma mais arrojada ou cores exuberantes, múltiplas.  Na falta de lápis ou caderno à mão ou de uma máquina fotográfica, nunca deixei de colecionar meus instantâneos imaginários, e até hoje cato em absoluto deleite conchinhas, sementes e pedras coloridas nas praias.






As habilidades práticas que adquiri um dia, creio já tê-las perdido há muito, mas não essa capacidade - nem a vontade  e o prazer - de descobrir a beleza menos evidente nas coisas mais óbvias e corriqueiras, de descobri-la eventualmente até mesmo na feiura, ainda que tudo isso tenha me tornado mais suscetível às agressões do sórdido e do grosseiro. Há que se descobrir o quanto a vida é bela.


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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

quiçá, quiçá, quiçá...



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Edvard Munch. O sol. c.1912.




Talvez o nosso mundo se convexe
Na matriz positiva doutra esfera.

Talvez no interspaço que medeia
Se permutem secretas migrações.

Talvez a cotovia, quando sobe,
Outros ninhos procure, ou outro sol.

Talvez a cerva branca do meu sonho
Do côncavo rebanho se perdesse.

Talvez do eco dum distante canto
Nascesse a poesia que fazemos.

Talvez só amor seja o que temos,
Talvez a nossa coroa, o nosso manto.


(José Saramago, 
in Os poemas possíveis, 1981)

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domingo, 8 de janeiro de 2012

L'amour est une maison

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L'amour est une maison
Où le lierre s'étend du toit rose aux murs blonds
L'amour est une maison
Où l'été, le printemps sont les seules saisons
L'amour est une maison
Dont les portes qui grincent écrivent des chansons
Où l'amour est une maison
Qui fait fondre la neige et lever les moissons

Les fenêtres sont des sourires
Et chacune des pierres est un mot d'amour
Le grenier c'est les souvenirs
Des premières caresses aux prochains beaux jours

 L'amour est une maison
Bien à l'abri du vent dans le creux d'un vallon
L'amour est une maison
Où l'on dort trop souvent sans y faire attention
L'amour est une maison
Où parfois l'on s'éveille sans s'y être endormi
L'amour est une maison
Qui comprend quelquefois avant qu'on ait compris

Les fenêtres sont des sourires
Et chacune des pierres est un mot d'amour
Le grenier c'est les souvenirs
Des premières caresses aux prochains beaux jours
Pour mon amour...


L'amour est une maison
Qui vieillit quelquefois quand le temps est trop long
Mais l'amour est une maison
Qui ne ferme jamais ses volets pour de bon...


(Yves Duteil, L'amour est une maison)


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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Insustentável leveza

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André Kertesz. Chez Mondrian. Fotografia. 1926




On peut écrire, et l’on écrit;
On peut se taire, et l’on se tait.
Mais pour savoir que le silence
Est la grande et unique clef,
Il faut percer tous les symboles,
Dévorer les images,
Écouter pour ne pas entendre,
Subir jusqu’à la mort
Comme un écrasement
Le poids vivant de la parole.



[Armel Guerne (1911-1980),
Le poids vivant de la parole]

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