domingo, 6 de fevereiro de 2011

Doce Nausícaa

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Frederic Leighton. Nausicaa. 1878.
Óleo sobre tela;. 67x145cm. Col priv.



Do longo périplo de Ulisses narrado por Homero vem mais esta história.


Certa vez, nas profundas horas da noite, Nausícaa, a princesa da ilha de Esqueria, habitada pelos Feaces, sonha que a deusa Atena lhe pede para ir ao rio lavar roupa (sim, há princesas, homéricas e não-homéricas, que lavam roupa!). Com um pressentimento feliz, assim que a "dedirrósea" Aurora surge na abóbada celeste, ela se levanta e pede ao pai, Alcínoo, um carro de mulas com que pudesse se deslocar até o rio. Estava em idade de se casar, mas não havia homem naquela ilha que lhe apetecesse. Evidentemente ela alentava a esperança de que ali aportasse alguém de fora, um estrangeiro de sangue novo que pudesse desposar.
E é movida pela expectativa de que algo iria acontecer que a doce Nausícaa vai fazer o que lhe sugerira a deusa. Circunda-se de criadas e segue para a orla do rio. Ali, enquanto as moças estão cumprindo a bem pouco nobre tarefa, eis que surge um homem, nu e com o "corpo empastado de sal". Assustadas, todas fogem, menos a princesa.
É Ulisses, náufrago, que lhe pede auxílio. Ulisses, cuja juventude há muito o tinha deixado, talvez lá mesmo onde deixara também a esposa, Penélope, e o filho...
Nausícaa, destemida, recebe o estrangeiro, cobre-o com as roupas (masculinas!) que estava a lavar e o leva até o pai.
Logo já se diz enamorada. Já anuncia a intenção de dividir com ele a sua vida.
O pai concorda, ficaria feliz em ter o estrangeiro como genro.
Mas Ulisses, aventureiro apenas quase sem querer, já estava exausto de tantas peripécias amorosas complicadas, de uma sucessão de ninfas e sereias, de perigos e tentações, e só queria voltar pra casa...
Recebido o auxílio de Alcínoo, Ulisses retoma então o seu caminho, deixando Nausícaa em profunda dor, engrossando a fila das abandonadas pelo herói e a das abandonadas da literatura antiga.




A pintura do inglês Frederic Leighton (1830-1896) consegue nos transmitir eloquentemente a dor de Nausícaa pelo abandono, pela perda de suas ilusões. Parada numa soleira, apoiada numa pilastra, sem forças, olhando para lugar nenhum, presta atenção somente ao insuportável estardalhaço dos cacos que se batem e caem dentro de si.

E a vida continua lá fora.
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