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Vincent van Gogh. Passeio ao anoitecer. Saint-Rémy, 1889-1890.
óleo s tela; 49,5 x 45,5cm. São Paulo, MASP
No MASP, esta é a minha pintura predileta, e certamente minha pintura predileta deste meu predileto pintor. Porque ela resume, eu creio, tudo o que em Van Gogh me comove: a genialidade do pintor, do colorista, a sensibilidade do homem e o sonho de ambos. Vê-la é resgatar a memória de um tempo já bem distante em que, encantada, na Unicamp, iniciava o caminho da história da arte. Tardes de sábado no MASP com grupos de alunos. Hoje só posso retomar as palavras publicadas no livrinho que tenho diante de mim, onde diz Jorge Coli:
"Estamos no crepúsculo. A crista das montanhas isola o céu no terço superior; as encostas são azuis, de intensidades diferentes, onde domina o mais escuro, azul de pedra preciosa, de bela safira, dispostos em pinceladas oblíquas e paralelas. No céu, o mesmo ritmo inclinado se prolonga, traduzindo o pôr-do-sol num amarelo ocre, como uma resposta incendiada às colinas mais sombrias. Mais ao alto os tons são perpendiculares ao horizonte: uma cor esfumaçada primeiro, um azul aquático, profundo, enfim. No lado direito, perto do centro, o crescente se aureola de pinceladas concêntricas, acobreadas. Unindo a terra ao céu, ciprestes verdes, aguçados, deixam-se embrasar também pelo pô-do-sol. (...) E no interior desse mundo ordenado e fremente, em meio às cores magníficas, no eixo vertical do quadro, envolvidos pelas oliveiras que giram sobre si mesmas, no primeiríssimo plano, um casal passeia: viandantes, peregrinos. O vestido dela é amarelo como o pôr-do-sol, a roupa dele é azul como as sombras das montanhas. Eles trazem, em meio ao verde e cinza das oliveiras, as cores lá do alto. Com um gesto a mulher nos faz um aceno. Nenhum dos dois possui olhos, nariz, boca. Mas em volta do rosto vazio dele, o colar, a coroa ruiva dos cabelos e da barba de Vincent...."
(J. Coli. Vincent van Gogh. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 51-53)
Aqui, como em toda a pintura de Van Gogh, a luz é sólida, feita de pinceladas grossas, evidentes. A luz se materializa, é constituída pela própria cor. Isso e mais a hora crespuscular que evoca a solidão, a necessidade de abrigo e conforto ao bicho humano - porque diz que a noite vem vindo, metaforicamente, ou não... -, isso cria uma atmosfera onírica ímpar. É a hora do devaneio, da exasperação dos sonhos. Ele sonhava ardentemente a viagem e a companhia para a viagem, para a peregrinação, peregrino que sabia ser. E esse quadro me fala muito, muito mais do que sua excepcional qualidade artística (uma jóia do museu paulistano). Me fala além da moldura, diretamente ao sonho do homem, e me fala muito claramente quando me vejo ali, ao seu lado, de vestido amarelo, sonhando, também eu, a companhia pra viagem no final do dia.
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