terça-feira, 4 de maio de 2010

Ora pro nobis

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À minha mãe,
à minha filha,
à minha amiga-anjo
aos que sofrem



       Eu tive uma amiga-anjo, figura sensível e doce, e quase contraditória em sua notável erudição de historiadora aliada a uma inabalável fé católica, da qual eu feliz ou infelizmente nunca partilhei. Partilhávamos, isso sim, grande amizade e entendimento. Mas decididamente: num dos piores momentos da minha vida ela esteve presente me encorajando, me ouvindo com paciência, ao lado de minha mãe (que vivia longe) e de minha filha, que, ainda muito pequena, corria alegre e descalça pelo apartamento vazio e me levava copos d'água e laranjas na cama quando a depressão não me deixava levantar. Naqueles dias vazios, plenos apenas de dor e desesperança, ela me disse certa vez algo de que eu nunca me esqueci, algo a que torno e retorno sempre que a vida me desatina e derruba: "peça (conforto) à Maria", me disse. "Ela é mãe".
       Ela é mãe.
       E quem é mãe sabe o que isso significa. Eu tenho a sorte imensa de ter e de ser mãe, que as lições de vida e de amor parecem estar todas, todas, contidas aí.
       Sim. Isso me acalmava de verdade. Pensar em Deus não me era tão agradável quando pensar numa mãe acolhedora, calorosa, amorosa. Foi então que aprendi a cantar as palavras de saudação  de outro anjo - Gabriel - à futura mãe do filho de Deus: Ave Maria. Oração cantada. Linda. Não há quem não conheça ao menos uma das muitas versões que a história da música nos oferece.  Não rezo rosários, mas certamente já rezei vários deles em muitas  longas viagens solitárias, cantando pra mim mesma. E sempre volto a essas palavras nas horas de aflição e dor:



Ave Maria, gratia plena
Dominus tecum
Benedicta tu in mulieribus
Et benedictus fructus ventris tui Jesus
Sancta Maria, Mater Dei,
Ora pro nobis pecatoribus
Nunc et in hora mortis nostrae
Amen.


Stephan Lochner. Anunciação. Retábulo dos santos patronos de Köln.
1440-1445. Têmpera sobre madeira. Hohe Domkirche St. Petrus und Maria, Köln



Bach, Gounod, Schubert compuseram as mais conhecidas versões, mas a minha versão predileta é a de atribuição controversa ao florentino quinhentista Giulio Caccini (1545-1618) ou ao russo Vladimir Vavilov (1925-1973). Já ouvi diversas gravações dessa música, interpretadas por vozes de maior ou menor delicadeza, e que, de toda forma, sempre exerceram sobre mim um efeito catártico. Impossível não chorar. Impossível não acreditar que o conforto virá, insubstituível, como um abraço de mãe.



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2 comentários:

  1. Maria é a Mãe de todos nós, crédulos e incrédulos. Podemos negar, mas nossa psique tem muita religiosidade. É um complemento humano.
    Parabéns, poeta!

    Meu carinho.
    Jorge

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  2. Obrigada, Jorge. Concordo com você. E o que seria de nós sem esse complemento?
    Abraços

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