sábado, 22 de maio de 2010

Em claro







Acordou sobressaltada com seu próprio grito. Três e cinquenta e três. Madrugada fria. Virou para um lado, para o outro... Revirou o coração e a vida, sem achar o que buscava. Passou horas ali catando as mágoas que transbordavam pelas dobras da colcha, se escondiam, quase brincando, pela trama vazada da coberta cor de pele. Queria acalmá-las um pouco, queria que parassem de fazer tanto barulho. Estava cansada e precisava dormir. Mas não paravam. Até na bolha de tinta da parede mal pintada encontrou uma delas, pequenina e encolhida. Cantou pra elas dormirem. Já ia deitando novamente a cabeça no travesseiro quando ouviu o suspiro grave e medonho da dor que morava embaixo da cama.  Ficou com medo, como quando era criança, que aquele monstro viesse pegar seus pés. Repassou a lista dos como e dos porquês, espantou as culpas, enxugou quarenta e sete lágrimas, invocou uns deuses e acabou acordando sem querer todas as mágoas que já tinham pegado no sono. Acendeu mais luzes, por fim, tentando ver e entender. Mas só a noite é que já estava passada em claro.








3 comentários:

  1. durante muito tempo, sempre olhava embaixo da cama para garantir que nada me assustaria dentro da noite. aos poucos, o medo infantil passou. agora, as noites são claras, e o problema está em cima da cama.

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  2. Eu também olhava. Quando estava com muito medo, olhava de lá da porta do quarto e saltava direto pra cama...
    Bons medos aqueles, né?

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  3. www.cinzasdiamantes.blogspot.com

    O meu blog é uma revista digital mensal em busca de um panorama do pensamento artístico. Convida-o para conhecê-lo.

    Grato. Um abraço,
    ANTONIO NAHUD JÚNIOR

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