.
.
O pequeno João Batista morava em Minas.
Morava na roça, nas bandeirolas coloridas
erguidas em mastros adornados de fitas
e flores de pano estampado de flor.
Era a criança festeira, brincalhona e barulhenta.
Tinha traços doces, cabelos negros, olhos vivos.
Fazia balão-galinha
pra soltar na noite fria com seus amigos.
pra soltar na noite fria com seus amigos.
E seus amigos, só os seus, eram uma centena...
E fazia balão multicor
pra vestir as estrelas de coral, amarelo e azul.
pra vestir as estrelas de coral, amarelo e azul.
E atiçava as brasas da fogueira,
que soprava só pra ver se espalharem
que soprava só pra ver se espalharem
que nem outras estrelas.
(miríades de estrelas ele via nascer todos os anos em junho)
E inflamava a ponta de uma vareta qualquer
pra desenhar uns carneirinhos no quadro-negro do ar
até se cansar.
E se encantava com uma prenda mixuruca -
conquista suada na barraquinha das argolas -
(encantava-se com pouco, essa criança).
Adorava o barulho seco dos cinco ou seis saiotes das moças quadrilhando.
E saía todo feliz dançando atrás delas,
e morrendo de rir da cobra e da chuva.
e morrendo de rir da cobra e da chuva.
Nem sonhava o fim dos tempos,
como outro João sonhou.
como outro João sonhou.
Já tinham me dito que ele ainda morava em Minas.
Sei que outro o dia o vi, por acaso,
em alto e abandonado mastro,
numa encruzilhada poeirenta de agosto,
chão de terra vermelha,
esquecido sobre o estandarte fustigado pelo vento
daquele meio-dia árido,
lento.
daquele meio-dia árido,
lento.
Estava ali, desbotado, tristonho,
o rosto sujo trespassado pelo tempo
em incontáveis furos. E rasgos.
Desfigurado.
Mudo.
Só.
Só.
Foi Salomé?
Foi o deserto interminável?
Foi o interminável deserto, João?
Mas eu parti sem resposta,
tentando apanhar no remoinho de vento e pó,
entre miolos de uns fuxicos descorados
e notas puídas de um acordeão,
entre miolos de uns fuxicos descorados
e notas puídas de um acordeão,
os restos do meu coração retalhado
de saudade.
de saudade.
.
.
Foi o deserto? Foi o tempo? Foi o fogo? Ou presente, que mal apreendemos, e já é passado?
ResponderExcluirTudo passa, e retorna em arte.
Belo texto, Letícia, fotos surpreendentes. Grande abraço.
Eu acho que foi mesmo o deserto, que é o mais cruel, o mais terrível, esse do abandono, que também é o da negação das palavras.
ResponderExcluirAbraços, Fernando