sábado, 12 de junho de 2010

Futuro do pretérito

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Aos que sonham e merecem viver
o amor no presente e no futuro

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Piet Mondrian. Riviergezicht met boot. 1910. ost, 66x102cm. Amsterdã, Rijksmuseum



(...)
Queria ficar ancorada no seu regaço, sem pensar em ter que partir um dia,
acolhida como numa baía de águas mansas.
Iríamos conversar bastante, enquanto a noite não chegasse,
e admiraríamos e comentaríamos todos os muitos azuis do céu, que são infinitos, a cada mudança da luz, a cada nuvenzinha que se apresentasse.
- Porque somos ambos apaixonados pelos azuis.
(e pelos verdes
(e por aquelas cores todas, barulhentas que são, dos fins de tarde) -
Então eu te mostraria o tesouro que guardo comigo,
que arrastei pelos sete mares e defendi bravamente. Ainda inexplorado.
E ficaria surpresa ao perceber nesse momento o quanto ele havia se multiplicado.
Eu me diria "como pode, se já perdi tanto por aí? Foram tantas tempestades, tantos assaltos, tantos acidentes... Como?"
E talvez você me mostrasse o seu...
Sim, mostraria.
Eu ficaria feliz, faria um balanço pra lá, outro pra cá nas suas águas, como um agrado.
Então eu entenderia de imediato aquela mágica multiplicação.
E te diria: "lembra quando você me disse que se sentia um lixo? Que bobo! Como pôde pensar assim? Tanta coisa linda você guarda aí dentro. Quero ver tudo! Quero provar tudo! O que não for muito perfeito eu também quero conhecer, que eu também tenho um montão disso".
E ficaríamos alegres, mas alegres mesmo, trocando nossos tesouros e lançando nas ondas nossos cacarecos que só ocupavam espaço.
E então, muito leves, iríamos assistir ao pôr do sol, embalados deliciosamente pela brisa. Embalados.
Ouviríamos as gaivotas em rebuliço, procurando a acolhida pra noite
(porque à noite mesmo as feras voltam pra casa).
E se em algum momento eu tivesse querido partir de repente, você teria dito, com um pesar sincero "não vá, ainda não te mostrei como as estrelas são incomparavelmente mais bonitas vistas daqui. Acredite".
E eu não iria.
Não iria.
E seria uma noite muito estrelada aquela, muito estrelada...
Contaríamos dezenas de estrelas cadentes e veríamos seu riscado impresso nas suas águas - plácido lago de chumbo, profundo e denso; manso e suave.
Saberíamos finalmente interpretar seus desenhos e não faríamos tolos pedidos a elas.
Porque não precisaríamos de muito mais.
Apenas de mais um tempo.
Um tempo pra ser.
Um tempo pra estar.
Juntos.

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