sábado, 1 de maio de 2010

Floralia

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Irmãos Limbourg. “Maio”, in Les très riches heures du duc de Berry.
1412-1416. Iluminura sobre pergaminho; 22,5 x 13,6cm. Chantilly, Musée Condé.



       "C'est mai, c'est le joli mois de mai!",  diz uma antiga canção francesa. Chegou o belo mês de maio.
       May day, o primeiro dia de maio, é dia de festa, de celebração, desde a antiguidade. Na Roma antiga, entre 28 de abril e 3 de maio se realizavam as festas da primavera - a Floralia -, quando a gente comum podia se divertir com música, dança, canto, teatro e jogos.
       Na Idade Média, alguns costumes derivados do festival da Floralia faziam com que, no primeiro dia de maio, os rapazes saíssem para o campo em busca de pequenos ramos e que as pessoas vestissem roupas verdes. Quem não o fazia podia virar alvo de chacota. E aí está a origem da expressão francesa "je vous prends sans vert" (ou seja, literalmente: te peguei sem verde, ou, aproximadamente: te peguei bobeando). Em alguns locais era comum que os nobres distribuíssem as caras roupas verdes a seus súditos.
       Na deliciosa imagem dos irmãos Limbourg, trabalhando na França para o duque de Berry, Maio vem ilustrado pelas reminiscências da floralia. No arco que envolve a cena, o estado do céu revela os signos zodiacais de touro e gêmeos. Embaixo, ao som de música e acompanhando um alegre cortejo, três damas a cavalo vestem o verde da festa. Gente nobre, conforme indica a suntuosidade das roupas. O próprio duque de Berry parece ter sido ali representado, com o manto azul cravejado de flores bordadas a ouro; ele, que quando rapaz corria ao campo em busca dos ramos do may day.  No segundo plano, uma densa cortina de árvores indica a floresta, mas nos deixa entrever acima, fechando o horizonte, as torres e tetos dos palácios urbanos. Estamos na aurora da Idade Moderna.




Flora (A primavera). Pintura mural romana, proveniente de Stabiae.
Século I a.C. Nápoles, Museo Nazionale



       Maio, meu mês de predileção. Sempre fui atenta a maio. Nasci em maio.
       No hemisfério norte, a primavera avança com seus dedos verdes, plenos de flor, sob um céu de azul intenso e sob aquela boa luz que fazia as noivas tirarem dos baús seus enxovais. Luz capaz de branquear, de renovar, essa luz de maio. Mesmo aqui, no hemisfério sul, a luz de maio é ímpar. Luz oblíqua, que alonga as sombras, que tinge de dourado mais longamente os fins de tarde, então embalados por um vento suave e frio. Em maio, todos os sons, até os mais distantes - como o dos sinos das igrejas mineiras, que tanto conversam - ressoam mais nítidos. Maio desvela muito mais que um cortejo de noivas e de mães: promessa e realização de fecundidade, renascimento e renovação. Maio ergue véus.
       Em maio, devia ser proibido chorar.




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Maio: o substantivo 'maio' tem (como sempre) origem controversa. Viria das formas respectivamente grega e latina 'maios' e 'majus', com referência à Maia, mãe de Mercúrio-Hermes, simbolizando a terra, a grande mãe, à qual se faziam sacrifícios anuais  no quinto mês comum. O nome dessa divindade, por sua vez, viria do sânscrito 'mahi', significando 'terra', ou da raiz 'magh-', 'mag-', 'mah-', significando 'crescer', donde 'maior'.

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5 comentários:

  1. Linda postagem, inspiração, beleza, informação. Creio que os blogs propiciam a maravilhosa intercomunicabilidade de mídias, fontes e artes. Teu texto é muito belo tb.
    Aproveito para te enviar o link de uma postagem que fiz em meu blog em maio de 2009, sobre as tardes de outono. Espero que goste. Grande abraço.

    http://fernandocampanella.blogspot.com/2009/05/crepusculo-arte-e-emily-dickinson.html

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  2. Obrigada, Fernando. Olha, adorei sua postagem do poema da Emily Dickson. Não o conhecia. Deixei um comentário lá.

    Abraços

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  3. Amiga querida,
    sua postagem me trouxe lembranças dos dias da minha infância, quando nestes dias que prenunciavam o inverno eu admirava o brilho do sol e a intensidade da luz em um pé de espirradeira rosa que minha mãe havia plantado ao lado da nossa casa.Eu me acomodava na calçada no fim da tarde, curtindo o calorzinho que o cimento havia absorvido durante o dia. Ficava deslumbrado com tanta beleza, mesmo sem entender muita coisa da vida.
    Coisa de criança descobrindo o mundo.
    Beijo!

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  4. TARDE DE MAIO (Drummond)

    Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de
    seus mortos,
    assim te levo comigo, tarde de maio,
    quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
    outra chama, não-perceptível, e tão mais devastadora,
    surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
    e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
    e condenadas, no solo ardente, porções de minh'alma
    nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza sem fruto.

    Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
    colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
    Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
    senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
    sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
    converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
    que, precisamente, volve o rosto, e passa...
    Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
    e em maio, tantas vezes, morremos.

    Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
    já então espectrais sob o aveludado da casca,
    trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
    com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
    fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
    sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.

    E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
    lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
    Nem houve testemunha.

    Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
    Quem reconhece o drama, quando se precipita sem máscaras?
    Se morro de amor, todos o ignoram
    e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
    O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
    não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
    das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
    perdida no ar, por que melhor se conserve,
    uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.

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