domingo, 28 de novembro de 2010

Melancholie

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Este pequeno retrato do Quattrocento italiano traz um universo inteiro codificado de modo muito sutil; mostra quantos mundos e histórias podem estar escondidos atrás de uma única imagem e nós nem desconfiávamos



Antonio Puccio, il Pisanello. Retrato de uma princesa da casa D'Este. 1436-438.
Têmpera sobre madeira; 43x30cm. Paris, Louvre


Antonio Puccio, o Pisanello, foi pintor e medalhista, um mestre do estilo gótico internacional, importantíssimo para a criação do modelo de medalha heráldica empregado no Renascimento. Nasceu provavelmente em Pisa – daí o apelido “Pisanello” (“Pisaninho”). Trabalhou em Verona, em Mântua, em Veneza, com Gentile da Fabriano, e em Roma. Muito de sua obra em afresco foi destruída. As obras remanescentes mostram uma inclinação para a interpretação do detalhe naturalista, enquanto tende a estilizar sutilmente os traços dos rostos.

Este retrato é uma das pequenas jóias da história da arte. Gera certo estranhamento, pelo tratamento pictórico muito linear, recortado, seco, e pela própria aparência da retratada, com esse penteado de testa raspada, à moda da época; o coque volumoso, envolvido por fitas; o rosto sem atrativos, nada bonito, de queixo para dentro e testa alta, embora seja doce e sereno. Esse perfil é asperamente recortado contra o fundo escuro de arbusto que lhe destaca de modo muito eficaz – propositadamente escolhido pelo pintor. É um dos primeiros retratos independentes em que o retratado aparece de perfil, sob influência das medalhas que Pisanello cunhava para casas nobres italianas. O estilo linear intrincado, com a delicada trama de arabescos é típico do gótico internacional.

Nos arbustos, muitas flores e borboletas coloridas criam uma natureza-morta à parte sob o aspecto de uma tapeçaria, ou de um tapete, que é uma recriação do jardim, como já vimos noutro post. Essa moldura delicada associada ao rosto doce da modelo cria uma atmosfera de encanto, que atrai o espectador. Mas não é só. É a análise botânica da imagem que vai permitir a identificação da modelo, num jogo adorado pelos historiadores da arte.


 


A massa verde foi identificada com um arbusto de zimbro, o “ginevro-ginepro”, em italiano, um arbusto sempre-verde, da família dos ciprestes. Um raminho da mesma planta é colocado na manga do vestido da moça. Essa é, sem dúvida, uma alusão ao nome da personagem: Ginevra. Leonardo da Vinci também usará mais tarde a representação da mesma planta para identificar sua retratada Ginevra Benci, num quadro da NationalGallery de Londres. Depois, ainda no vestido, figura um vaso de duas alças de onde sai uma corrente, e este é o símbolo de uma família nobre de Ferrara, os d´Este.




A precisa identificação das flores presentes no fundo e de seus significados simbólicos permitiu a confirmação da identidade da retratada. As borboletas são emblemas da alma desde a antiguidade; o emprego de flores cor-de-rosa na época fazia alusão ao matrimônio, o que também é indicado pela corrente no vaso. As aquilegie representam tristeza e morte: teriam feito alusão às dores da Virgem Maria durante a idade Média e, depois, no Renascimento, ganharam uma conotação funerária. A etimologia da palavra remete ao francês “ancholie”, diretamente ligado à evolução da palavra “melancholie”.


 


A aquilegia-ancholie-columbine


De fato, houve uma Ginevra, princesa da família d´Este, que se casou muito jovem com Sigismondo Malatesta, aos 14 anos, e morreu envenenada, segundo dizem, depois de muita infelicidade, pelo próprio marido, que queria desposar outra mulher (porém, há quem afirme que ele a envenenou por ciúme). Tudo isso sugere ser um retrato póstumo, e a datação aproximada da pintura foi colocada em torno de 1440-41, sendo 1440 o ano da morte da princesa, que coincide com a estadia de Pisanello em Ferrara.




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