sexta-feira, 19 de março de 2010

Paradeisos

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(Paraíso: a palavra vem do latim paradisus, que por sua vez vem do grego paradeisos, que tem origem no persa pairidaeza – significando ‘jardim’ –, que é formada pela junção das palavras sânscritas pari + dêha, que se traduzem por ‘recinto sagrado’)




Evocando o Éden primordial, o lugar ordenado e seguro onde o Criador teria abrigado sua criação, o jardim é uma recriação do paraíso. Assim como o gênero pictórico da 'natureza-morta', o jardim se coloca igualmente entre natura e cultura: ele é a natureza selecionada, organizada, domada, cultivada pelo homem para o seu prazer e bem-estar.



Erastus Salisbury Field. O jardim do Éden. 1865


A etimologia nos fala claramente sobre a junção de ideias na formação do jardim, que nasce no Oriente desértico como um espaço de belezas e delícias sonhando recuperar o paraíso. Beleza e frescor de vegetação abundante composta por flores, por árvores de frutos e sombra, por fontes que jorram a água essencial. A palavra el-arab, de origem semita, quer dizer ‘deserto’ e refere-se genericamente aos povos das regiões áridas do oriente - os árabes -, para os quais água e sombra, reunidas na circunscrição das residências, das propriedades, compunham um osásis particular. Pairidaeza, vocábulo persa que significa ‘jardim’ , é formado pela junção das palavras sânscritas pari + dêha, que se traduzem por ‘recinto sagrado’.
 

 
Anônimo. Figuras em um jardim. Irã, início do século XVII.
Guache e ouro sobre papel. Paris, Museu do Louvre



Indo ainda mais além, no desejo de multiplicar esses trechos paradisíacos, os persas transpuseram o jardim para dentro de suas próprias casas, e fizeram dos tapetes a sua metáfora.




Tapete do tipo Tabriz, cuja denominação vem do nome da cidade persa de origem.


Muitos motivos botânicos foram então estilizados e se revestiram de significados específicos. Um dos motivos mais empregados na decoração do tapete persa é o boteh, que nasceu da imagem da amendoeira, significando a vida, sempre colocado ao lado do boteh-miri, o cipreste, significando a morte.




O motivo do 'boteh'


O Ocidente medieval tomou a idéia do recinto sagrado e revestiu-a de um significado cristão: o hortus conclusus – do latim ‘jardim fechado’ –, que passou a ser um atributo mariano, aludindo à pureza virginal da mãe do filho de Deus. No jardim em que Maria se coloca, não faltam as rosas, outro de seus atributos. Uma pintura italiana do século XIV representa um hortus conclusus com a mesma riqueza decorativa (ademais típica do gótico internacional) que encontramos nos tapetes persas.




Stefano da Verona. N. Senhora do Roseiral. c1420.
têmpera sobre madeira, 63x46cm. Verona, Museo di Castelvecchio



Com a difusão do gênero pictórico da paisagem (tão subalterno quanto o da natureza-morta na hierarquia dos gêneros até o século XVIII), o jardim passa a ser olhado e interpretado na sedutora variedade de cores e texturas que apresenta. Aberto ou fechado, ordenado ou abandonado, é simplesmente um jardim que se oferece à luz.

Eugène Boudin. O jardim. 1869. Óleo sobre tela. Coleção privada.

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