quinta-feira, 4 de março de 2010

Still life - a natureza ainda vive




Naturezas-mortas são arranjos de grandíssimo apelo sensorial. Festa para os sentidos, resultam de uma nada fácil orquestração das mais variadas cores, luzes e sombras, formas e texturas capazes de evocar uma miríade de sabores, de perfumes e também de memórias.


Jean-Siméon Chardin. Natureza-morta. 1728.  Óleo sobre tela. Karlsruhe, Staatliche Kunsthalle


Eventualmente presentes na pintura antiga, as naturezas-mortas são, contudo, um fenômeno original da história da arte e da mentalidade européia que se desenvolve como gênero independente apenas entre os séculos XVI e XVII.

Diz-se natureza-morta em português, natura morta em italiano, nature morte em francês: apesar de serem evidentes apelos aos sentidos e, portanto, a tudo o que faz perceber a vida, as línguas latinas ressaltaram e mantiveram a ideia da morte nessas denominações (por conta de um juizo negativo feito por um crítico francês do século XVII, A. Félibien). No entanto, as mais antigas referências a essas composições nada diziam sobre a morte, e, a bem da verdade, nem mesmo sobre a natureza. Still-life em inglês, still-leven em holandês, stil-leben em alemão, vie coye em flamengo, oggetti di fema em italiano...* Nesses nomes, pelo contrário, é a vida que se apresenta: literalmente, “a vida parada num instante”. É sobre o tempo e o movimento que falam essas denominações. Não apenas o tempo da morte, o tempo do inanimado – algo que vivia na natureza e, depois, apanhado, retirado dela, vai morrer lentamente –, mas o tempo da transformação sofrida pela natureza ao entrar em contato com o homem. As naturezas-mortas falam, portanto, essencialmente, do próprio homem. Para além da beleza plástica desses conjuntos, da sedução sensorial e da possibilidade de ricas e múltiplas leituras semânticas às quais nos convidam, ali natureza e cultura vão levar, juntas, à formação de um gênero pictórico de sucesso duradouro.


* Vide O. Calabrese, in Cómo se lee una obra de arte, 1993.

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