quinta-feira, 29 de julho de 2010

Savoir vivre

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As atrizes Sophia Loren e Audrey Hepburn


Definitivamente, ela sabe viver.
Está sempre sorrindo. Possui aquele dom abençoado de saber rir de si mesma e tem sempre algo de animador pra dizer a quem precisa. Sofre e chora, claro, como toda pessoa sensível, mas dá um jeito muito rápido de enxergar a saída (acho que, na verdade, ela faz as suas saídas) e de se colocar de pé, pronta pra outra.
É uma pessoa solar.
Ela é incansável. A primeira a se levantar e a última a ir dormir. Faz as contas de quanto tempo da vida as pessoas perdem dormindo e acha isso absurdo! Quer viver. Adora viver!
Orgulha-se igualmente de seu trabalho na fábrica que começou, sozinha, há mais de vinte anos, e dos panos de chão impecavelmente brancos de que cuida pessoalmente (empregada nenhuma jamais conseguiu deixá-los brancos como ela). E corre o dia inteiro no trabalho, inclusive aos sábados, contactando clientes, verificando produção e qualidade, criando peças, inventando moda - e como inventa bem! Já a ouvi dizer inúmeras vezes do quanto sente saudade do tempo em que começou, com apenas duas funcionárias (ergue a mão, mostrando dois dedos). Não porque hoje, com mais de cem, tenha mais trabalhao, mas porque não consegue conhecer todos eles e suas histórias, de modo que os almoços de fim de ano ultimamente ficaram muito impessoais.
A escada de casa ela só sobe de dois em dois degraus, apressada, agitada, fazendo mil coisas ao mesmo tempo. Carrega (e perde) o celular só na mão e outro dia levou pra rua o telefone sem fio (que este também não sai de sua mão) achando que era o celular.
Pra completar, ela é linda. Tipo mignon, rosto perfeito, delicada. E cuida-se com carinho. Traz os cabelos sempre curtos, mas não aguenta o mesmo corte por muito tempo, nem a mesma cor. Até o corte 'caroço de manga' ela já usou uma época. É muito arrojada: atualmente estão avermelhados, um tom de violeta em baixo e luzes acobreadas em cima. Estranho? Não para ela! Veste-se bem, com bom gosto e observando as tendências da moda. Detesta os pés no chão em sapatos rasteiros e recentemente mandou fazer um armário só para os seus sapatos, todos de salto alto, claro!
As mãos têm muitos anéis; os braços, pulseiras várias. Ontem, quando chegamos, ela reclamava que tinha marcado com antecedência o horário para fazer as unhas das mãos e pés e que a manicure maravilhosa recém-descoberta, vinda lá de Guaratinguetá, brigou com o marido e se mandou. Sumiu. E o mal da história é que ela tinha ficado sem fazer as unhas aquele dia, porque era coisa urgentíssima. Troca esmaltes azuis e verdes com a minha filha de quinze anos e adora um cinza-grafite que se chama 'New York' e outro, lilás, chamado 'Audrey' (como a Hepburn).
Aliás, ela me lembra a Audrey, fisicamente e talvez em qualquer coisa como a Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany's). E, falando nisso, digo que ela é modesta: outro dia descobrimos - porque ela jamais nos contou - que era chamada de "a Sophia Loren brasileira". Minha filha foi à internet buscar fotos da atriz italiana e confirmou a comparação. Poderosa!
Sim, minha mãe irá completar agora em setembro 71 anos bem vividos.
E ontem, enquanto passávamos nossa conversa diária pós-almoço, eu, minha filha e ela, em meia horinha deliciosa ela correu para nos mostrar a reforma do banheiro e a da sala, subindo, é claro, as escadas de dois em dois degraus, deu instruções à Lourdes para a janta, fez a Tutu comer, que está velhinha e não quer saber de muito, contou do lindo sapato azul marinho que viu numa vitrine no dia anterior, reclamou das unhas que não pôde fazer, mostrou a peça nova que está criando para o catálogo da fábrica e, por fim, sentando-se, lascou: "quando eu ficar velha, jamais vou deixar o cabelo branco!" Nós concordamos com ela, que desandou a rir e não parava. Como não tínhamos entendido a graça, ela mesma nos explicou: "Quando eu ficar velha... Eu tenho 70 anos!" O interessante é que nem ela, de imediato, e nem nós havíamos percebido que a velhice já se apresenta nela em números. Mas apenas em números. E quando fala da morte (fala pouco, que não gosta do assunto), ela nos diz há muito que quer um túmulo na avenida mais movimentada da Saudade, pois detesta a pasmaceira.
Oxalá esse dia esteja bem distante. Creio que esteja, porque quem sabe viver vive muito e vive bem.



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Minha mãe, dona Vilma
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4 comentários:

  1. Obrigada, flor! Minha mãezinha é mesmo uma figura rara.

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  2. Vovó é uma das melhores coisas da nossa vida, né mãe?
    Quando eu ficar velha,(lá por uns 90 anos) quero ser igual a ela!

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  3. É, sim, querida. E eu também queria ficar velha como ela. Beijinho

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