quarta-feira, 21 de julho de 2010

O amor é um lugar sem lugar

.
.
.
Em março postei aqui um poema de e. e. cummings, Love is a place.
A postagem de hoje vem de alguma forma complementar e reiterar aquela.


Sim, o amor é um lugar.


Desenho feito no Paint pela Bela, minha filha, quando tinha uns oito anos.


Talvez seja uma casa, como diz a cançãozinha de Yves Duteil (1974):


L'amour est une maison / Bien à l'abri du vent dans le creux d'un vallon
L'amour est une maison / Où l'on dort trop souvent sans y faire attention
L'amour est une maison / Où parfois l'on s'éveille sans s'y être endormi
L'amour est une maison /Qui comprend quelquefois avant qu'on ait compris (...)
L'amour est une maison / Qui vieillit quelquefois quand le temps est trop long
Mais l'amour est une maison / Qui ne ferme jamais ses volets pour de bon (...)



A casa -  inevitável - é, por excelência, o lugar sonhado para o amor. Não precisa ser a casa própria, comprada com o suor da cara ao longo de anos e anos de financiamento, nem a  casa herdada (aquela que todos os seus amigos já tem, menos você nessa idade...), mesmo porque as casas muitíssimas vezes não coincidem com o lugar-do-amor.


A casa-lugar-do-amor é, a meu ver, aquilo que Michel Foucault uma vez chamou de heterotopia.
Num texto intitulado "Des espaces autres" (in Dits et écrits, 1984), ele diz que mais nos inquieta hoje (escrevia em 1967) a questão do espaço do que a do tempo, que tinha assombrado o século XIX. Primeiramente ele separa 'espaço'-'lugar' (espace-lieu) e 'localização' (emplacement), porque este último inclui uma necessária relação de vizinhança. Depois ele contrapõe 'utopia' e  'heterotopia'. A utopia é um lugar sem lugar, é o não-lugar, exatamente como no então neologismo criado por Thomas More em sua obra homônima (do grego: oy + topos = não + lugar).

Foucault define sua heterotopia como um lugar real, um lugar efetivo, desenhado dentro da própria sociedade, uma espécie de contra-localização - porque nela as localizações reais estariam refletidas como num espelho, encontrando-se invertidas ou contestadas.
A heterotopia, entendo, seria um continente cujo conteúdo é só reflexo, como a imagem que vejo do outro lado do espelho, embora o espelho seja real.
Para Foucault, o motel seria uma heterotopia, assim como a antiga viagem de núpcias (e, convenhamos, viagens são quase todas heterotopias...), a antiga iniciação sexual dos meninos (fora de casa), o cemitério, o asilo, o hospício, o serviço militar: espaços outros, artificiais, para vivências que deveriam, mas por muitas razões não podem ou não conseguem se realizar natural e abertamente.

A casa-lugar-do-amor é um continente cujo conteúdo - desculpem-me a imprecisão verbal, que reflete uma imprecisão maior - tem problemas, desajustes.


E, sim, definitivamente, o amor é um lugar, como sugere outra vez uma canção bem conhecida:


Perhaps love is like a resting place, a shelter from the storm
It exists to give you comfort, it is there to keep you warm (...)
Perhaps love is like a window, perhaps an open door
It invites you to come closer, it wants to show you more (...)
(John Denver)


Mas eis que o amor é um lugar sem lugar, uma verdadeira utopia, e seus continentes reais, concretos, devem ser heterotopias, bolhas de sonho de um cotidiano exaustivo e premente, refúgios, apêndices...

Vivemos ordinariamente fora dos recônditos e inacessíveis lugares do amor.






(que pena...)




Nenhum comentário:

Postar um comentário