sábado, 17 de julho de 2010

Tesouro(s)

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'Tesouro' é uma rica e viajada palavra.

Fala das coisas preciosas que se guardam a sete chaves.
Na minha memória afetiva e histórico-literária (não sei o que vem antes ou o que determina o quê, porque pra mim tudo é afeto), me vêm imagens de arcas naufragadas cobertas de algas e borbulhas, epopéias saborosas feitas de véus e adagas em mil e uma noites, perigosas incursões arqueológicas em florestas chuvosas ou desertos tórridos. Me vêm tardes preguiçosas no sofá da casa da infância passadas folheando e me deliciando com os volumes de um certo Tesouro da Juventude; me vêm,  longínquos e embotados, os ecos de uma voz amada que costumava me chamar tesouro, ou, ao contrário, nítidas, as reluzentes vitrines de jóias etruscas num passeio vespertino à Villa Giulia... E ainda as inacreditáveis máscaras de ouro batido de um chamado 'tesouro de Atreu' ou a singelíssima arquitetura do 'tesouro dos atenienses' em Delfos...

'Tesouro' (treasure, trésor, tesaurstesoro) é herança latina direta: thesaurus.

Thesaurus, contudo, vem do grego thesayròs, onde theô (que seria derivado do verbo tithêmi), significando "eu ponho" (no futuro tesô), se reúne a ayrós (ou, no latim, àurum), que significa "ouro".  Literalmente, assim, tesouro significa 'eu ponho ouro'. Desta forma, os gregos chamaram tesouro a pequenos edifícios que construíam especificamente para guardar objetos votivos ofertados pelo povo a um santuário.


 O tesouro dos atenienses em Delfos é, ele próprio, um ex-voto, 
construído para celebrar a vitória de Atenas em Maratona.

Com os romanos, o thesaurus torna-se efetivamente qualquer reserva ou depósito de bens ou objetos valiosos: uma arca, um armazém, uma seção da casa imperial. E é no Direito romano que aparece o tesouro escondido, a partir do difundido hábito de se enterrar, em épocas de guerra e instabilidade, os bens móveis mais valiosos, por proteção.

Por fim, no século XIX, a palavra ganha outra acepção, sempre no âmbito da reunião de preciosidades: thesaurus é a listagem de palavras agrupadas por afinidade semântica. O thesauros-tesouro não traz definições - o que é trabalho do dicionário - e nem é exatamente um dicionário de sinônimos. O thesaurus é capaz de nuançar e refinar aspectos semânticos sutis.

Eu, que sou apaixonada por palavras e por  nuances sutis do que quer que seja, fiquei felicíssima ao ver o recente lançamento, pela editora Lexikon, da segunda edição do Dicionário analógico da língua portuguesa, obra de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo publicada originalmente em 1950. Ei-lo aqui, na bagunça da minha mesa a espera de ser embalado para uma mudança:




Antes de mais nada, fiquei deliciada com a pequena introdução feita a essa obra por Chico Buarque. Os Chicos (o Burque e também o Santos Azevedo) me deram a certeza de que há preciosidades que devem ser guardadas a sete chaves. Conta o Buarque que ele ganhou de seu pai, no leito de morte, um volume dessa obra, que imediatamente se transformou num verdadeiro tesouro para ele. Tanto, que o seu exemplar se gastou, se consumiu no manuseio. Gostava de apanhá-lo da estante só pra folhear, garimpando nele algumas pepitas que anotava num Moleskine. Pepitas que empregou em muitas canções. Seu segredo. Escondido. Ele então passou a procurar compulsivamente por exemplares em sebos por onde quer que andasse. Achou. E achou tantos que acabou por reunir uma porção de exemplares. O último veio da Amazon.com. E, finalmente, confessa estar triste por ter seu segredo agora aberto ao mundo, nessa reedição.

Sorte a nossa!




2 comentários:

  1. Maravilha de postagem, Letícia. Olha, fiquei com vontade de comprar um para mim, sabe onde posso conseguí-lo? Tenho um Aurélio aqui, segunda edição revista e ampliada, pela Nova Fronteira. Adoro, mas como vc sabe, é um dicionário.Esse dicionário analógico deve ser fantástico. Grande abraço.

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  2. Oi, Fernando, obrigada. Vale a pena comprar. Eu comprei o meu na FNAC, pela internet mesmo.
    Abraços

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