quinta-feira, 29 de setembro de 2011

gauche

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Juliette Aristides. Angel. Óleo sobre madeira; 11 x 8"



Veja se não sou eu este anjo aleijado
que pelo douramento superficial 
evoca adoráveis sonhos. 
Madeira talhada ou metal precioso? 
Apenas plástico - e de rebarbas, 
adorno luzente de árvore natalina. 
Veja se não sou eu este querubim torto 
de despregadas asas 
imobilizadas.
De tanto se debater no desejo do voo, 
cansou-se. 
E agora espera, 
espetado solitário numa parede fria: 
seu único movimento é o do olhar 
à janela invisível que o chama
dia
após
dia 
(quem sabe até o próximo dezembro?)
ao lugar insuspeitado onde rebrilha 
a vida.

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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

17 movimentos

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Amedeo Modigliani. Retrato de Jeanne Hébuterne. 1918. 
Óleo sobre tela; 92 x 60cm. Paris, coleção  privada



Le monde intérieur
Le coeur humain avec
ses 17 mouvements
dans l'esprit
Et le va-et-vient de la
Passion



O mundo interior
O coração humano  com
seus 17 movimentos
no espírito
E o vai e vem da
Paixão



(Blaise Cendrars, 
Sur un portrait de Modigliani, 1918)

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terça-feira, 13 de setembro de 2011

shan shui

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Dong Yuan. Mountain Hall. c.934–962.

Nascida de uma tradição cultural espiritualista, a pintura chinesa antiga entendeu e realizou -  há mais de um milênio - o que a arte ocidental, enraizada na  tradição naturalista clássica também milenar, só veio a absorver e começar a manifestar lá pelo final do século XVIII-início do XIX: que a arte não consiste em espelhar com maior ou menor grau de idealização, mas com destreza técnica, um mundo tangível invariavelmente imperfeito. Um escrito do pintor de paisagens Qing Hao (900-960) fala que arte está em perceber a realidade na junção do material com o espiritual, de forma que o aspecto formal pode se apresentar em qualquer ponto de uma ampla escala de graus de naturalismo e /ou idealização: 
"A verossimilhança reproduz os aspectos formais dos objetos, mas não leva em conta o espírito; a verdade se mostra como perfeição na união de espírito e substância. Quem tenta transmitir o espírito por meio do aspecto formal e acaba por representar a mera aparência externa, produzirá uma obra morta” (Escrito sobre a pincelada; citado por F. Panzini. Progettare la natura).


Bada Shanren (Zhu Da; China, 1626-1705). Peixes e rochas. Dinastia Qing. 1699. 
nanquim sobre papel; 134,6x60,6cm. Nova York, Metropolitan Museum



À tradicional pintura chinesa embasada nesses princípios 
chamou-se shan shui, literalmente "montanhas e águas", 
o mesmo termo que em chinês significa 
"paisagem".

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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

pane o tulipani

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B. van der Ast. Tulipa. 1620s. Guache; 31,3x20,2cm. Paris, Institut Néerlandais


"No século XVII, a dilatação dos ambientes geográficos se conjugou ao gosto pelo excêntrico e pelo extravagante, dando lugar a uma verdadeira paixão  por todas as plantas que trouxessem a indistinta atribuição  de exóticas, com a consequência de fazer subir seus preços a cifras insensatas, como aconteceu com as tulipas. Antes do Seiscentos, a família botânica das tulipas era praticamente desconhecida na Europa, tendo sua principal região de origem na Ásia central. Bulbos foram plantados em Topkapi, em Istambul, e ali os embaixadores ocidentais os viram; o botânico Clusius os introduziu nos Países Baixos, onde, em presença de solos arenosos particularmente adequados ao seu cultivo, vingaram com sucesso particular.


Adriaen van der Spelt (1630-1673). Natureza-morta trompe-l'oeil, com flores e cortina. 1658.  
Óleo sobre madeira; 46,5 x 63,9cm. Chicago, Art Institute

  
   Já na primeira década do século XVII, iniciaram-se em torno a Haarlem as primeiras plantações comerciais, em coincidência com o surgimento da moda das espécies estrangeiras. Nos primeiros tempos, a produção concernia a plantas que, como acontece na natureza, produziam flores de uma única cor; mas os cultivadores holandeses, tecnicamente muito avançados, começaram experimentos  de hibridação, obtendo cruzamentos bicolores que apresentavam flamejamentos, matizamentos, modificações provocadas para conferir maior valor à planta. Em breve, a história mudou de hortícola para mercantil: comerciantes de Amsterdã publicaram seus catálogos de bulbos de tulipas, que foram difundidos entre os colecionadores europeus. Pela grande procura, os preços subiram vertiginosamente, enquanto os cultivadores se desafiavam na busca da obtenção de variedades sempre novas: multicoloridas, ou de flores brancas e azuis que imitavam porcelanas chinesas. Ao formar-se uma verdadeira mania, as tulipas floresceram não apenas nos jardins, mas sobre os tecidos, nas decorações da mobília doméstica, nos azulejos das famosas manufaturas cerâmicas de Delft, nas pinturas de tema floral." (Franco Panzini, Progettare la natura; minha tradução)


                                              Ladrilho de cerâmica azul e branca de Delft. Século XVII. 13,3x13,3cm.

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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Êxodo

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êxodo de primavera     pássaros clamam    a lágrima do peixe







imagem: Magdalena Wanli 
 hai-kai: Basho

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