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Isabela de Andrade. N. Senhora Aparecidinha.
2009.
Seu nome é Aparecida, como o de milhões de outras brasileiras. Nome, aliás, de que não esconde certa vergonha, abreviando-o sempre por um ‘A’. Se quiser vê-la brava, basta chamá-la assim. Mas o fato é que considera a fé um luxo de que nunca dispôs. Confessa, entre seus muitos e ordinários pecados, o da inveja de quem a possui. Porque a fé é o maior dos lenitivos, uma bênção que não cabe a todos.
E houve uma época, quando a Cida inaugurava a casa dos 30, em que a vida estava sendo de amargar. Foi um tempo em que tudo o que fez, costuma dizer, foi comer o pão que o diabo amassou com rabo. No final de um ano triste, depressiva e doente, acompanhou a mãe e a cunhada à cidade de Aparecida, “pra espairecer”.
Entrou na basílica fria, tão imensa que mesmo apinhada parece continuar vazia, e feiosa, e triste, nua. Pegou a fila dos crentes que iam ver a imagem da santa e, cara a cara, fazer seus pedidos. Longa fila... Viu lá de baixo a pequena imagem escura de que mal se divisava o manto azul. E naquele instante, desejando imensamente ter fé, arriscou um pedido.
Esta semana, em vista do feriado nacional em que se celebra a santa da imagem ‘aparecida’ no rio Paraíba, conversávamos eu e Cida, sobre ela: a imagem e a santa. Ela dizia que já são passados dez anos de suas desventuras sem que qualquer milagre se tenha operado em sua vida, que foi o tempo que amenizou consideravelmente sua dor e mudou seus caminhos, assim quase sem se notar. Mas contou que, quando os sinos tocaram meio-dia e os devotos soltaram fogos em comemoração, agradeceu à santa, sem qualquer mágoa, por não lhe ter concedido o milagre que um dia havia implorado. Reconhecia certa sabedoria naquele não-milagre, naquele abandono silencioso, quase desdenhoso, da santa, obrigando sua vida a seguir pela mesma trilha, sem consolo, até que o pão que o diabo insistia em amassar com o rabo se tornasse mais palatável. Caminhos naturais que inevitavelmente levaram à superação, ao fortalecimento e ao crescimento. E aí a Cida contou também que secretamente fez outro pedido à santa: que mantivesse apenas sua fé na viabilidade dos caminhos naturais da vida, que nunca viesse a desejar novamente um milagre.
Eu não lhe disse, mas fiquei aqui pensando se o milagre não estaria aí, dez anos depois; se o que neste 12 de outubro ‘apareceu’, ‘se revelou’ para ela não seria muito maior e mais reconfortante do que um milagre explícito: a serenidade de aceitar e entender que para o sem fé não existe milagre e que, paradoxalmente, há muita fé em viver simplesmente deixando que seja feita uma outra vontade.
(Será?)
‘Aparecida’ é particípio passado do verbo ‘aparecer’, que vem do latim ad + parere, ou seja: ‘vir à luz’, ‘mostrar-se’, ‘apresentar-se’. A imagem de Nossa Senhora da Conceição ‘Aparecida’ foi apanhada nas águas do Rio Paraíba do Sul em 12 de outubro de 1717, ‘apareceu’ na rede de um pescador. Feita em cerâmica, apresenta a cor escura pela imersão nas águas e pela exposição de quase três séculos às chamas de velas.
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