sábado, 31 de julho de 2010

Cântico XXIII

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De Cecília Meireles,
"Cântico XXIII", in Cânticos


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.Imagem: Amarilis (Letícia). Sem título. Acrílico sobre tela.



Cântico XXI

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De Cecília Meireles,
   "Cântico XXI", in Cânticos


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.Imagem: Amarilis (Letícia). Sem título. Acrílico sobre tela.


Cântico VI

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De Cecília Meireles,
 "Cântico VI", in Cânticos



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Imagem: Elisa Musson. Nascer do sol no pântano. ost. col priv.
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Cântico XVII

De Cecília Meireles,
"Cântico XVII", in Cânticos


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Imagem:
F. C. Hassam. Campo de papoulas na Ilha de Shaos, Appledore.
1890. aquarela, 21,5x14,7cm. col priv.

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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Savoir vivre

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As atrizes Sophia Loren e Audrey Hepburn


Definitivamente, ela sabe viver.
Está sempre sorrindo. Possui aquele dom abençoado de saber rir de si mesma e tem sempre algo de animador pra dizer a quem precisa. Sofre e chora, claro, como toda pessoa sensível, mas dá um jeito muito rápido de enxergar a saída (acho que, na verdade, ela faz as suas saídas) e de se colocar de pé, pronta pra outra.
É uma pessoa solar.
Ela é incansável. A primeira a se levantar e a última a ir dormir. Faz as contas de quanto tempo da vida as pessoas perdem dormindo e acha isso absurdo! Quer viver. Adora viver!
Orgulha-se igualmente de seu trabalho na fábrica que começou, sozinha, há mais de vinte anos, e dos panos de chão impecavelmente brancos de que cuida pessoalmente (empregada nenhuma jamais conseguiu deixá-los brancos como ela). E corre o dia inteiro no trabalho, inclusive aos sábados, contactando clientes, verificando produção e qualidade, criando peças, inventando moda - e como inventa bem! Já a ouvi dizer inúmeras vezes do quanto sente saudade do tempo em que começou, com apenas duas funcionárias (ergue a mão, mostrando dois dedos). Não porque hoje, com mais de cem, tenha mais trabalhao, mas porque não consegue conhecer todos eles e suas histórias, de modo que os almoços de fim de ano ultimamente ficaram muito impessoais.
A escada de casa ela só sobe de dois em dois degraus, apressada, agitada, fazendo mil coisas ao mesmo tempo. Carrega (e perde) o celular só na mão e outro dia levou pra rua o telefone sem fio (que este também não sai de sua mão) achando que era o celular.
Pra completar, ela é linda. Tipo mignon, rosto perfeito, delicada. E cuida-se com carinho. Traz os cabelos sempre curtos, mas não aguenta o mesmo corte por muito tempo, nem a mesma cor. Até o corte 'caroço de manga' ela já usou uma época. É muito arrojada: atualmente estão avermelhados, um tom de violeta em baixo e luzes acobreadas em cima. Estranho? Não para ela! Veste-se bem, com bom gosto e observando as tendências da moda. Detesta os pés no chão em sapatos rasteiros e recentemente mandou fazer um armário só para os seus sapatos, todos de salto alto, claro!
As mãos têm muitos anéis; os braços, pulseiras várias. Ontem, quando chegamos, ela reclamava que tinha marcado com antecedência o horário para fazer as unhas das mãos e pés e que a manicure maravilhosa recém-descoberta, vinda lá de Guaratinguetá, brigou com o marido e se mandou. Sumiu. E o mal da história é que ela tinha ficado sem fazer as unhas aquele dia, porque era coisa urgentíssima. Troca esmaltes azuis e verdes com a minha filha de quinze anos e adora um cinza-grafite que se chama 'New York' e outro, lilás, chamado 'Audrey' (como a Hepburn).
Aliás, ela me lembra a Audrey, fisicamente e talvez em qualquer coisa como a Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany's). E, falando nisso, digo que ela é modesta: outro dia descobrimos - porque ela jamais nos contou - que era chamada de "a Sophia Loren brasileira". Minha filha foi à internet buscar fotos da atriz italiana e confirmou a comparação. Poderosa!
Sim, minha mãe irá completar agora em setembro 71 anos bem vividos.
E ontem, enquanto passávamos nossa conversa diária pós-almoço, eu, minha filha e ela, em meia horinha deliciosa ela correu para nos mostrar a reforma do banheiro e a da sala, subindo, é claro, as escadas de dois em dois degraus, deu instruções à Lourdes para a janta, fez a Tutu comer, que está velhinha e não quer saber de muito, contou do lindo sapato azul marinho que viu numa vitrine no dia anterior, reclamou das unhas que não pôde fazer, mostrou a peça nova que está criando para o catálogo da fábrica e, por fim, sentando-se, lascou: "quando eu ficar velha, jamais vou deixar o cabelo branco!" Nós concordamos com ela, que desandou a rir e não parava. Como não tínhamos entendido a graça, ela mesma nos explicou: "Quando eu ficar velha... Eu tenho 70 anos!" O interessante é que nem ela, de imediato, e nem nós havíamos percebido que a velhice já se apresenta nela em números. Mas apenas em números. E quando fala da morte (fala pouco, que não gosta do assunto), ela nos diz há muito que quer um túmulo na avenida mais movimentada da Saudade, pois detesta a pasmaceira.
Oxalá esse dia esteja bem distante. Creio que esteja, porque quem sabe viver vive muito e vive bem.



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Minha mãe, dona Vilma
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sábado, 24 de julho de 2010

Quiromancia

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Antonio Bandeira. Composição abstrata. 1950.
óleo sobre cartão; 120x120cm. coleção privada.



É sinal de boa fortuna que haja uma linha do destino, pois nem todos a possuem. Sua simples presença já é indício da benevolência divina. Boa estrela. 
Fácil é encontrá-la aqui: corta o plano na oblíqua, decidida na direção, mas hesitante por vezes, quando esmorece e se fragiliza, repentinamente interceptada por um delicado fio rubro, ardiloso.
(Quebra-se?
É cortada?)
Mais adiante, faz uma guinada que não é cisão _ decisão, talvez...
E então se embaça e arrefece, lá perto da hora da morte, confundindo-se com as paralelas de uns tantos amores (que todos nascem do destino). E estas a contornam, e a envolvem, e  participam enfim, fundamentais, da própria reconstrução de sua harmonia.

(Há que se prestar atenção e saber ler nas entrelinhas)

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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Nel mezzo del camin...

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Eis um  poema de Olavo Bilac, Nel mezzo del camin. O título é o primeiro verso da Divina Comédia, de Dante). Foi lido por mim nos idos da década de 80 num livro de português de alguma etapa ginasial, e decorado com gosto, e tantas vezes recitado. Depois a página foi recortada ao final do ano letivo e finalmente guardada no meio de um diário.  Nunca me esqueci a compaixão despertada ali por uma dor alheia (que 'compaixão', diz a etimologia, é provar em si a dor do outro) que eu desconhecia mas talvez já soubesse inevitável para quem vive, para quem está percorrendo o caminho da vida.




Edvard Munch. Olho a olho 1894. Oslo.
(pintura cindida e invertida por Amarilis).



Nel mezzo del camin...

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.



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quarta-feira, 21 de julho de 2010

O amor é um lugar sem lugar

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Em março postei aqui um poema de e. e. cummings, Love is a place.
A postagem de hoje vem de alguma forma complementar e reiterar aquela.


Sim, o amor é um lugar.


Desenho feito no Paint pela Bela, minha filha, quando tinha uns oito anos.


Talvez seja uma casa, como diz a cançãozinha de Yves Duteil (1974):


L'amour est une maison / Bien à l'abri du vent dans le creux d'un vallon
L'amour est une maison / Où l'on dort trop souvent sans y faire attention
L'amour est une maison / Où parfois l'on s'éveille sans s'y être endormi
L'amour est une maison /Qui comprend quelquefois avant qu'on ait compris (...)
L'amour est une maison / Qui vieillit quelquefois quand le temps est trop long
Mais l'amour est une maison / Qui ne ferme jamais ses volets pour de bon (...)



A casa -  inevitável - é, por excelência, o lugar sonhado para o amor. Não precisa ser a casa própria, comprada com o suor da cara ao longo de anos e anos de financiamento, nem a  casa herdada (aquela que todos os seus amigos já tem, menos você nessa idade...), mesmo porque as casas muitíssimas vezes não coincidem com o lugar-do-amor.


A casa-lugar-do-amor é, a meu ver, aquilo que Michel Foucault uma vez chamou de heterotopia.
Num texto intitulado "Des espaces autres" (in Dits et écrits, 1984), ele diz que mais nos inquieta hoje (escrevia em 1967) a questão do espaço do que a do tempo, que tinha assombrado o século XIX. Primeiramente ele separa 'espaço'-'lugar' (espace-lieu) e 'localização' (emplacement), porque este último inclui uma necessária relação de vizinhança. Depois ele contrapõe 'utopia' e  'heterotopia'. A utopia é um lugar sem lugar, é o não-lugar, exatamente como no então neologismo criado por Thomas More em sua obra homônima (do grego: oy + topos = não + lugar).

Foucault define sua heterotopia como um lugar real, um lugar efetivo, desenhado dentro da própria sociedade, uma espécie de contra-localização - porque nela as localizações reais estariam refletidas como num espelho, encontrando-se invertidas ou contestadas.
A heterotopia, entendo, seria um continente cujo conteúdo é só reflexo, como a imagem que vejo do outro lado do espelho, embora o espelho seja real.
Para Foucault, o motel seria uma heterotopia, assim como a antiga viagem de núpcias (e, convenhamos, viagens são quase todas heterotopias...), a antiga iniciação sexual dos meninos (fora de casa), o cemitério, o asilo, o hospício, o serviço militar: espaços outros, artificiais, para vivências que deveriam, mas por muitas razões não podem ou não conseguem se realizar natural e abertamente.

A casa-lugar-do-amor é um continente cujo conteúdo - desculpem-me a imprecisão verbal, que reflete uma imprecisão maior - tem problemas, desajustes.


E, sim, definitivamente, o amor é um lugar, como sugere outra vez uma canção bem conhecida:


Perhaps love is like a resting place, a shelter from the storm
It exists to give you comfort, it is there to keep you warm (...)
Perhaps love is like a window, perhaps an open door
It invites you to come closer, it wants to show you more (...)
(John Denver)


Mas eis que o amor é um lugar sem lugar, uma verdadeira utopia, e seus continentes reais, concretos, devem ser heterotopias, bolhas de sonho de um cotidiano exaustivo e premente, refúgios, apêndices...

Vivemos ordinariamente fora dos recônditos e inacessíveis lugares do amor.






(que pena...)




sábado, 17 de julho de 2010

Tesouro(s)

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'Tesouro' é uma rica e viajada palavra.

Fala das coisas preciosas que se guardam a sete chaves.
Na minha memória afetiva e histórico-literária (não sei o que vem antes ou o que determina o quê, porque pra mim tudo é afeto), me vêm imagens de arcas naufragadas cobertas de algas e borbulhas, epopéias saborosas feitas de véus e adagas em mil e uma noites, perigosas incursões arqueológicas em florestas chuvosas ou desertos tórridos. Me vêm tardes preguiçosas no sofá da casa da infância passadas folheando e me deliciando com os volumes de um certo Tesouro da Juventude; me vêm,  longínquos e embotados, os ecos de uma voz amada que costumava me chamar tesouro, ou, ao contrário, nítidas, as reluzentes vitrines de jóias etruscas num passeio vespertino à Villa Giulia... E ainda as inacreditáveis máscaras de ouro batido de um chamado 'tesouro de Atreu' ou a singelíssima arquitetura do 'tesouro dos atenienses' em Delfos...

'Tesouro' (treasure, trésor, tesaurstesoro) é herança latina direta: thesaurus.

Thesaurus, contudo, vem do grego thesayròs, onde theô (que seria derivado do verbo tithêmi), significando "eu ponho" (no futuro tesô), se reúne a ayrós (ou, no latim, àurum), que significa "ouro".  Literalmente, assim, tesouro significa 'eu ponho ouro'. Desta forma, os gregos chamaram tesouro a pequenos edifícios que construíam especificamente para guardar objetos votivos ofertados pelo povo a um santuário.


 O tesouro dos atenienses em Delfos é, ele próprio, um ex-voto, 
construído para celebrar a vitória de Atenas em Maratona.

Com os romanos, o thesaurus torna-se efetivamente qualquer reserva ou depósito de bens ou objetos valiosos: uma arca, um armazém, uma seção da casa imperial. E é no Direito romano que aparece o tesouro escondido, a partir do difundido hábito de se enterrar, em épocas de guerra e instabilidade, os bens móveis mais valiosos, por proteção.

Por fim, no século XIX, a palavra ganha outra acepção, sempre no âmbito da reunião de preciosidades: thesaurus é a listagem de palavras agrupadas por afinidade semântica. O thesauros-tesouro não traz definições - o que é trabalho do dicionário - e nem é exatamente um dicionário de sinônimos. O thesaurus é capaz de nuançar e refinar aspectos semânticos sutis.

Eu, que sou apaixonada por palavras e por  nuances sutis do que quer que seja, fiquei felicíssima ao ver o recente lançamento, pela editora Lexikon, da segunda edição do Dicionário analógico da língua portuguesa, obra de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo publicada originalmente em 1950. Ei-lo aqui, na bagunça da minha mesa a espera de ser embalado para uma mudança:




Antes de mais nada, fiquei deliciada com a pequena introdução feita a essa obra por Chico Buarque. Os Chicos (o Burque e também o Santos Azevedo) me deram a certeza de que há preciosidades que devem ser guardadas a sete chaves. Conta o Buarque que ele ganhou de seu pai, no leito de morte, um volume dessa obra, que imediatamente se transformou num verdadeiro tesouro para ele. Tanto, que o seu exemplar se gastou, se consumiu no manuseio. Gostava de apanhá-lo da estante só pra folhear, garimpando nele algumas pepitas que anotava num Moleskine. Pepitas que empregou em muitas canções. Seu segredo. Escondido. Ele então passou a procurar compulsivamente por exemplares em sebos por onde quer que andasse. Achou. E achou tantos que acabou por reunir uma porção de exemplares. O último veio da Amazon.com. E, finalmente, confessa estar triste por ter seu segredo agora aberto ao mundo, nessa reedição.

Sorte a nossa!