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A palavra é deliciosa: alvíssaras.
Aprendi com José de Alencar quando tinha uns dez ou doze anos e li O tronco do ipê. Um dos capítulos do livro se intitulava justamente "Alvíssaras".
Tomei aquela palavra desconhecida à boca, maravilhada com sua eufonia, e a saboreei, como quem prova uma iguaria rara. Deixei que derretesse na língua e que seu perfume subisse até o palato para depois, só depois, pronunciá-la.
Aprendi com José de Alencar quando tinha uns dez ou doze anos e li O tronco do ipê. Um dos capítulos do livro se intitulava justamente "Alvíssaras".
Tomei aquela palavra desconhecida à boca, maravilhada com sua eufonia, e a saboreei, como quem prova uma iguaria rara. Deixei que derretesse na língua e que seu perfume subisse até o palato para depois, só depois, pronunciá-la.
Delícia de palavra...
Imaginei, de imediato, que era um nome de flor. 'Alvíssaras'. Flor branca, claro, pela alvura anunciada desde o princípio. E o plural parece indicar uma penca, muitos cachos, de flores miúdas, daquele tipo que funciona bem em conjunto. E criei na minha cabeça primeiro uma floreira de janela, com os pompons de alvíssaras que me dariam muitos bons-dias por muitas manhãs; depois quis um canteiro de alvíssaras que iriam tagarelar à vontade com as boas e sinceras margaridas, com as rosas e suas evocações de Marias e Vênus, com as anêmonas de Adônis, com narcisos perdendo o viço, com minhas estrelizes e amarilis vaidosas. Melhor que isso: concebi depois um campo inteiro de alvíssaras, como um mar que desce do outro lado do horizonte que a gente só adivinha. Mar branco de flores delicadas.
Passado o primeiro impacto, deixei de sonhar e fui ao Aurélio meio capenga, com a capa se soltando, que tínhamos em casa. E ele me disse que as alvíssaras não compartilhavam absolutamente nada com a botânica: eram simplesmente as boas-novas, as boas notícias. Não simplesmente notícias, novidades, mas boas. É ainda a recompensa pedida e oferecida a quem traz as boas-novas e a exclamação de alegria de quem as pronuncia.
E eis que eu fico ainda mais apaixonada por essa palavra. Pensei em alvíssaras que alguém me traria (sim, como um buquê de flores - miúdas e brancas, obviamente). E pensei em alvíssaras que eu levaria a alguém, e no que seria a sementeira de alvíssaras... Pensei na brancura do papel de uma carta alvissareira, e descobri ser ainda mais saboroso o adjetivo, pondo-me às voltas com imagens de dias alvissareiros, que principiariam numa fulgurante alvorada. E não é que as alvíssaras podem mesmo trazer um novo dia, uma alvorada plena de promessas exatamente como uma folha em branco?
A etimologia, no entanto, veio negar tudo tudo tudo quanto eu criei na minha imaginação, todas as minhas viagens: a palavra vem do árabe 'al-bixrà', 'al-buxrà', que significa "a boa nova". Portanto: nem flor, nem alvor. Mas não me importa. Continua a ser uma palavra linda e de linda semântica. Mas, definitivamente, se eu tivesse o poder do demiurgo, criaria uma nova flor, branca e delicada - renda de abrolhos -, pra reunir em pencas e espalhar pelos campos, só para gastar a palavra.
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